Artigo

Artigo - Alfredo Cherem

Convergências da Medicina do Trabalho com a Reabilitação Profissional

Retornar ao trabalho para reabilitar e não apenas reabilitar para retornar ao trabalho

Resumo
Neste artigo aborda-se algumas condições que permitem uma maior proximidade entre o Médico do Trabalho e o Médico Perito da Reabilitação Profissional, culminando com a ratificação da importância da atuação convergente destes profissionais para o aperfeiçoamento de seus serviços.
Palavras-Chave: Médico do Trabalho, Perito Médico, Reabilitação Profissional.

1 – Introdução

Rembrandt van Rijn – 1606 – 1669 - Lição de Anatomia Dr. Joan Deyman - 1656
Desde o anoitecer do século XV, a América como um todo e o Brasil em particular entraram para a História pelas descobertas dos europeus. A cartografia era uma questão existencial premente sendo uma inusitada situação de necessidade de expansão daqueles povos. Neste turbilhão de acontecimentos, agora no século XVI, a ciência em geral, e as artes em particular também comparecem de forma marcante com grandes nomes como por exemplo, Miguelângelo, Leonardo da Vinci e Vesálio principalmente neste contexto de descobertas e cartografias, aqui incluindo a discussão da figura humana, em suas múltiplas facetas, tais como, medidas, movimentos e alavancas. No amanhecer do século XVII, na Holanda, ainda sob a intensa repercussão destes trabalhos, outro mestre da pintura se faz presente para também apresentar seus trabalhos e inclusive discutir aspectos do século anterior em relação aos estudos do corpo humano.

Vinte e quatro anos após pintar Lição de Anatomia do Dr. Tulp, Rembrandt apresenta sua tela de Lição de Anatomia Dr. Joan Deyman, em 1656, onde o médico aparece parcialmente na tela demonstrando a estrutura cerebral de um cadáver. Assim, passados estes anos, este pintor mostra este cadáver em mais detalhes, na medida em que a região abdominal aparece aberta e esvaziada de seu conteúdo. Infelizmente, em 1723, um incêndio destrói parte significativa do trabalho deste mágico das luzes e sombras.

Assim, para iniciar a discussão do médico do trabalho e do médico da Reabilitação Profissional, Rembrandt foi aqui chamado a depor com sua tela de cérebro, que remete a questão das sinapses cerebrais, e visto que estas estruturas remetem ao um sentido de convergência, podemos agora abordar a situação destes profissionais.

2 – Competências do Médico Perito da Reabilitação Profissional

A competência da Previdência Social foi definida pela Constituição de 1988 em seus incisos III e IV do artigo 203; artigos 89 a 93 da Lei 8.213 de 1991 e artigos 136 a 141 do Capítulo V do Decreto 3.048 de 06 de maio de 1.999. Neste escopo, a Reabilitação Profissional – R.P. passa a ser atribuição do INSS, sendo que uma de suas atribuições de caráter obrigatório é proporcionar o reingresso no mercado de trabalho e no contexto em vivem, os beneficiários incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho, e as pessoas portadoras de deficiência.

Em relação a este médico reabilitador, é de bom alvitre, dentre outras importantes características, conhecer com profundidade anatomia e fisiologia, principalmente a osteomuscular, compreendendo a história natural das doenças incapacitantes e seu prognóstico. Assim, para uma eficiente avaliação da incapacidade deve utilizar a compreensão da história funcional em relação às atividades de vida diária básicas e instrumentais, grau de mobilidade e medida de independência funcional das pessoas que estão em processo de reabilitação. Além disso, para a avaliação clínica da incapacidade deve lançar mão de um completo exame físico geral e em particular dos sistemas acometidos, sendo os mais freqüentes o músculoesquelético e o neurológico. Assim, cabe ao médico perito da R. P. avaliar o potencial laborativo do segurado no que se refere aos aspectos físicos, potencialidades, contra-indicações e prognóstico para retorno ao trabalho; avaliação das perdas e restrições funcionais e identificar a estabilização do quadro clínico.

Para além do profundo conhecimento deste trabalhador, do médico da R.P. também se espera que conheça em detalhes sua atividade laboral. Desta forma, pode lançar mão de um questionário a ser respondido pela empresa com alguns itens tais como: Identificação da empresa e do empregado com descrição da função com detalhamento das tarefas desempenhadas. Além disso, obter informações sobre as necessidades de esforço físico em relação aos movimentos e posições mais exigidos bem como as condições ambientais.

Quando da avaliação dos postos de trabalho nas empresas para identificar as situações passíveis de RP este profissional deve atentar para a análise de vários aspectos, tais como: Nome da função e descrição detalhada das tarefas; características físicas e psicofísicas necessárias; freqüência, força e ritmo dos movimentos e as amplitudes articulares dos diversos segmentos do organismo. Já em relação às características do ambiente, verificar se o trabalho é em local aberto ou fechado; sob qual temperatura e se sujeito à ação de gases, fumaças e vapores, bem como avaliando todos os riscos no trabalho.

Esta análise do ambiente na empresa com a interrelação com a equipe do serviço de engenharia de segurança e medicina do trabalho, em especial com o médico do trabalho, recursos humanos e direção da empresa, é necessária para uma efetiva condução do processo de reabilitação profissional, sendo que a presença do empregado é fundamental para possibilitar a decisão da situação laboral.

3 – Competências do Médico do Trabalho

Para discussão neste texto queremos enfatizar algumas competências do Médico do Trabalho, que inclusive fazem parte das especificadas pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho – ANAMT: Estudo do trabalho; Atenção integral à saúde dos trabalhadores nos níveis individual e coletivo; Formulação e implementação de Políticas e Gestão da Saúde do Trabalhador.

Para uma maior fundamentação da relação entre os dois profissionais objetos deste estudo, descreve-se de uma forma mais abrangente, cada um dos três itens acima citados. No item Estudo do Trabalho, cabe ratificar a importância deste profissional no reconhecimento dos fatores de risco presentes nos ambientes e processos de trabalho em relação à saúde e bem estar dos trabalhadores; conhecimento dos instrumentos e metodologias de abordagem considerando a variabilidade humana e tecnológica; conhecimento e atuação em ações de proteção e restauração da saúde dos trabalhadores.

Considerando a necessidade de uma atenção integral à saúde dos trabalhadores enfatiza-se a orientação e assistência integral com cuidados de prevenção, assistência e reabilitação; definição do grau e período de incapacidade laboral, que pode variar de parcial a total e temporário a permanente, bem como indicação e acompanhamento de procedimentos visando a reabilitação profissional.

Em relação ao último item, salienta-se o assessoramento a instituições públicas na formulação de políticas de saúde no trabalho; tomar e implementar decisões sobre afastamento do trabalho ou remanejamento do posto específico. Assim, considerando a relação capital-trabalho, nem a Empresa, nem o médico do trabalho podem se permitir “perder o empregado de vista”.

4 – Convergências de atuação entre Médico do Trabalho e Médico Perito da Reabilitação Profissional

Alicerçados pela legislação, cabe apresentar algumas situações onde a proximidade destes profissionais é significativa. Citamos tres exemplos de situações. O primeiro diz respeito ao empregado/segurado que após cumprir programa de reabilitação profissional tem indicação de retorno à mesma função com as mesmas atividades, porque geralmente não existe seqüela funcional ou apenas uma seqüela estabilizada leve. Neste contexto, o trabalho destes dois profissionais é relativamente fácil, na medida em que praticamente não existe déficit funcional do empregado para retorno a atividade laboral.

O segundo, já com maior gravidade em relação ao anterior, refere-se ao retorno à mesma função com atividades diversas em função das limitações, com seqüela funcional ou seqüela estabilizada. Aqui existe a necessidade de uma avaliação “in loco” mais pormenorizada, porém com um aspecto facilitador, que é a relativa independência do médico do trabalho da empresa para a indicação de local adequado para o empregado, sendo freqüentemente bem aceito pelos setores de RH e Chefias quando da análise formal com a presença do empregado, equipe de R.P. e representantes da empresa.

O terceiro, com indicação de retorno à função diversa, por limitação definitiva para a mesma função, com seqüela acentuada, o que se percebe é alem da necessidade das avaliações de ambos os médicos, tal qual nos exemplos anteriores, o setor responsável da empresa e principalmente o funcionário possuem um papel decisório mais significativo nesta relação, até porque pode num primeiro momento colocar em xeque a consciência de sua profissão.

Outra convergência bastante forte é o conhecimento das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. Por exemplo as NRs 7 e 9 contemplam a obrigatoriedade respectivamente da elaboração e implementação do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais para todas as empresas que possuam empregados. Assim, por ocasião da análise laboral nas empresas, é recomendável verificar a existência destes dois programas com vistas a acompanhar a efetiva implantação das condutas nos eventuais riscos. Por sua vez a NR 17 apesar de não estar contemplada dentro dos riscos ambientais, obteve com os anexos I e II, um upgrade em relação aos caixas de supermercados e telemarketing. Desse modo, quando as queixas do segurado referem-se à possível sobrecarga ergonômica laboral, verifica-se se a empresa realizou a Análise Ergonômica do Trabalho e quais as medidas corretivas informadas pelo analista foram efetivamente implementadas.

Dentro do exemplo da Ergonomia, de uma forma genérica, é importante o conhecimento para: investigar e avaliar as demandas de projeto ergonômico no sentido de assegurar a ótima interação entre trabalho, produto ou ambiente e as capacidades humanas e suas limitações; analisar e interpretar os achados das investigações em ergonomia; determinar a compatibilidade da capacidade humana com as solicitações planejadas ou existentes; realizar recomendações apropriadas para projeto ou intervenção ergonômica e modificar o programa de ergonomia conforme resultados de suas avaliações, onde for necessário.

Um exemplo final desta relação é a colocação em prática do que preconiza o artigo 141 da lei 3048 ( também conhecida como lei de cotas ) que auxilia o trabalho da Reabilitação Profissional porque refere que a empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I- até duzentos empregados, dois por cento; II- de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento; III- de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou IV- mais de mil empregados, cinco por cento.

5 – Conclusão

Para finalizar, cabe compreender que a questão que se coloca para estes dois profissionais em particular, diz respeito a como aperfeiçoar suas habilidades clínicas e sensoriais no sentido de ampliar a capacidade de identificar os sinais e sintomas orgânicos, para torná-los mais precisos na realização do diagnóstico da incapacidade funcional de patologias que lhes cabem identificar para efetivamente atuarem em conjunto em prol da efetiva Reabilitação Profissional dos trabalhadores.

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