Artigo

Artigo - Rubens Cenci Motta

Abono de faltas

A Lei 605/49, no artigo12, parágrafos 1º e 2º, dispõe sobre as formas de abono de faltas mediante atestado médico:

“Constituem motivos justificados:
§ 1º: A doença será comprovada mediante atestado passado por médico da empresa ou por ela designado e pago.
§ 2º: Não dispondo a empresa de médico da instituição de previdência a que esteja filiado o empregado, por médico do Serviço Social da Indústria ou do Serviço Social do Comércio, por médico de repartição federal, estadual ou municipal, incumbido de assunto de higiene ou saúde, ou, inexistindo na localidade médicos nas condições acima especificados, por médico do sindicato a que pertença o empregado ou por profissional da escolha deste”.

Ora, a Lei definiu, certamente por ser implícita a acreditação no ato médico realizado, a ordem preferencial para aceitação pelo empregador dos atestados médicos, que obedece a seguinte seqüência:

1. Médico da empresa; 2. Médico do INSS ou do SUS; 3. Médico do SESI ou SESC; 4. Médico a serviço de repartição federal, estadual ou municipal; 5. Médico de serviço sindical; 6. Médico de livre escolha do próprio empregado, no caso de ausência dos anteriores, na respectiva localidade onde trabalha.

Se foi uma vontade da Lei, friso que é a própria CLT, sabemos que ela tem como efetivo tribunal guardião da sua aplicação as Varas do Trabalho, na ação dos magistrados de 1º e 2º graus, os quais sobre este artigo também devem ponderar.

Assim sendo, pergunto:

- Não seria legítimo ao juízo também adotá-la e fazê-la a efeito?

- Não poder-se-ia adotá-la, em prejuízo da indicação da Perícia Médica, visando à celeridade processual, não só do ponto de vista da seqüência hierárquica, mas em função do elemento essencial do que esta Lei definiu, ou seja, o da acreditação neste ato médico?

Tentando responder:

- Como médico entendo que, em tese, até poder-se-ia adotá-las, porém, algumas ponderações são necessárias, visto que os tempos são outros.

- Do ponto de vista do que preconiza os Conselhos de Classe dos Médicos, temos o que diz a RESOLUÇÃO CREMESP Nº 126, 31 DE OUTUBRO DE 2005, no seu Art. 1º: “Perito médico é a designação genérica de quem atua na área médica legal, realizando exame de natureza médica em procedimentos administrativos, e processos judiciais, securitários ou previdenciários; atribuindo-se esta designação ao médico investido por força de cargo/função pública, ou nomeação judicial ou administrativa, ou ainda por contratação como assistente técnico das partes”. O Art. 2º diz: “As causas de impedimentos e suspeição aplicáveis aos auxiliares da Justiça se aplicam plenamente aos peritos médicos. § 1º - É vedado ao médico do trabalho de empresa/instituição atuar como perito ou assistente técnico em processo judicial ou procedimento administrativo envolvendo empregado/funcionário ou ex-empregado/funcionário da mesma empresa. § 2º - É vedado ao médico, qualquer que seja a especialidade, atuar como perito em face de servidores da mesma instituição e mesmo local de trabalho, exceto se compuser corpo de peritos exclusivos para esta função ou na função de assistente técnico. § 3º - Constitui infração ética expressa no art. 120 do Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1.246/88, o médico ser perito ou assistente técnico em processo judicial ou procedimento administrativo, envolvendo seu paciente ou expaciente”.

- Na Resolução CREMESP nº 76, de 02 de julho de 1996, no Artigo 7º encontramos o seguinte: “Caberá aos médicos do trabalho (como tal reconhecidos por Lei), especialmente aqueles que atuem na empresa como contratados, assessores ou consultores em saúde do trabalhador: a - A co-responsabilidade com os outros médicos que atuem na empresa e que estejam sob sua supervisão, por todos os procedimentos que envolvam a saúde do trabalhador, especialmente com relação à ação coletiva de promoção e proteção à sua saúde. b - Responsabilidade solidária com o empregador, no caso de agravos à saúde desses trabalhadores”. Portanto, não poderia ser o Médico do Trabalho da RECLAMADA o avaliador.

- Corrobora este entendimento a determinação do Conselho Federal de Medicina na Resolução CFM nº 1.488, de 11 de fevereiro de 1998, digase e frise-se, modalidade pela qual habitualmente os doutos magistrados determinam como base a realização das avaliações periciais médicas. Esta resolução no Art. 5º diz: “Os médicos do trabalho (como tais reconhecidos por lei), especialmente aqueles que atuem em empresa como contratados, assessores ou consultores em saúde do trabalhador, serão responsabilizados por atos que concorram para agravos à saúde dessa clientela conjuntamente com os outros médicos que atuem na empresa e que estejam sob sua supervisão nos procedimentos que envolvam a saúde do trabalhador, especialmente com relação à ação coletiva de promoção e proteção à sua saúde”. No Art. 6° consta: “São atribuições e deveres do perito-médico de instituições previdenciárias e seguradoras: I - avaliar a capacidade de trabalho do segurado, através do exame clínico, analisando documentos, provas e laudos referentes ao caso; II - subsidiar tecnicamente a decisão para a concessão de benefícios; III - comunicar, por escrito, o resultado do exame médicopericial ao periciando, com a devida identificação do perito-médico (CRM, nome e matrícula); IV - orientar o periciando para tratamento quando eventualmente não o estiver fazendo e encaminhá-lo para reabilitação, quando necessária.”. No Art. 12° consta: “O médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresas e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados).”. O artigo 12 foi reformado pela RESOLUÇÃO CFM nº 1.810/2006 – “Art. 1º O artigo 12 da Resolução CFM nº 1.488 de 11 de fevereiro de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 12. O médico de empresa, o médico responsável por qualquer programa de controle de saúde ocupacional de empresa e o médico participante do serviço especializado em Segurança e Medicina do Trabalho não podem atuar como peritos judiciais, securitários, previdenciários ou assistentes técnicos, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados)”.

Fica claro que o atestamento do Médico do Trabalho deve ser respeitado e levado a efeito pelas empresas, mas também fica evidente que o Médico do Trabalho atuando a mando da empresa tem impedimentos éticos para fazer o que possibilita a CLT, no sentido de atuar de forma a regular e avaliar pedidos de afastamentos como justificativa e abono de faltas, incluindo as suas próprias indicações, típica finalidade pericial médica, para dar embasamento ao administrador (setor de RH) para o efeito pecuniário a que se destina esta avaliação.

Assim sendo, são duas as situações: 1º - Os documentos emitidos por Médicos do Trabalho são legais e devem surtir efeito;

2º - O Médico do Trabalho de Empresa não pode atuar como Perito Médico, nem para a própria empresa e menos ainda como Perito do Juiz.

Se desejar, a empresa, assim como o juízo, deverão constituir ou socorrer-se de corpo exclusivo e independente de Peritos Médicos.

E por que isto, além de necessário, é muito importante?

Sabemos que a avaliação médica feita pelo médico assistente do trabalhador expressa em atestado feito ao interesse do trabalhador, ainda, sujeito ao conhecimento específico e convicção pessoal de quem os emite, é documento parcial. Pode um médico assistente entender que, do seu ponto de vista técnico de formação e pessoal, é necessário um tempo de recuperação muito maior ou muito menor, visto que não conhece com detalhes das atividades e posto de trabalho específicos que são disponibilizados ao trabalhador, variando em muito os dias que podem ser solicitados com os que devem ser concedidos pela real necessidade de recuperação requeridos para se estabilizar o quadro clínico. Também, o Médico do Trabalho, por extremo rigor de ponderação, poderá atestar a menos, visando proteger a empresa, ou mesmo deixar de atestar o que deveria ter observado e não o fez.

Assim, na forma ética, para que os atestados médicos possam ter força de consubstanciar justificativas de afastamento decorrentes de doenças, sejam ocupacionais ou não, é requerido corpo de Peritos Médicos independente que observará se se fez constar nos atestados os requisitos, que de tão relevantes, definidos e que constam em Resolução do Conselho Federal de Medicina - Resolução CFM 1.851/2008 que regulamenta a expedição de atestados médicos, o seguinte: a) especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente; b) estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente; c) registrar os dados de maneira legível; d) identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina. Quando o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de perícia médica deve observar: a) o diagnóstico; b) os resultados dos exames complementares; c) a conduta terapêutica; d) o prognóstico; e) as conseqüências à saúde do paciente; f) o provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação; g) registrar os dados de maneira legível; h) identificar-se como emissor, e tudo isso deve ser observado com a máxima atenção, pelo corpo constituído para a finalidade exclusiva da Pericia Médica.

Novamente pode se perguntar: - Quem tem capacidade e isenção para interpretar tais dados, inclusive para identificar se não há responsabilidades referentes a doenças relacionadas ao trabalho?

Novamente tentando responder, como já dito, sabemos que é certo que o Médico do Trabalho não tem tal isenção, nem na sua atuação na empresa e nem na sua atuação no juízo.

Da mesma forma o Perito do INSS também não as tem, visto que embora seja considerado “Perito”, de fato é Assistente Técnico da instituição pública e representa os seus interesses, pois não é autônomo e independente. Também é certo que o médico assistente do trabalhador não as tem.

Afinal, quem as teria?

Somente um corpo técnico de Peritos Médicos independente, que se fizesse comprovar capacitação e imparcialidade caso a caso, como na prática se faz nas Varas Trabalhistas.

Diante destas considerações, é possível entender o valor da Perícia Médica, dita independente e imparcial, feita por Peritos Médicos que devem provar sua capacitação constantemente, não por ocasião da submissão a um concurso público ou uma vinculação empregatícia. Se assim fosse, além de tudo o que afeta o corporativismo de classe e relações de interesse, na prática, quem de fato daria efeito ao solicitado? Na justiça, quem julgaria a causa? O Perito Médico ou o Magistrado? Haveria submissão do Juízo ao parecer do Perito Médico? Como se estabeleceria esta relação?

O que permanece, ao longo destes anos todos sem melhor entendimento, é a questão de até onde chega e surte efeito a acreditação prevista na lei vigente?

Sem soberba, proponho como resposta o entendimento de que todos os documentos médicos ocupacionais devem ser entendidos e, como de fato na imensa maioria das vezes são emitidos em total desconexão com uma lide, considerados como válidos, devendo indicar as empresas a surtir o efeito a que se destinam, porém, também devem ser avaliados no contexto da responsabilidade profissional, podendo até mesmo haver situações em que a tipificação do ocorrido (dano – acidente e/ou doença ocupacional) se deu por ação exclusiva do emitente do atestado, visto que, muitas empresas quando corretamente solicitadas, disponibilizam tudo o que é necessário. Por certo, algumas não o fazem, não só por interesse e descaso, mas pode até mesmo ser por má assessoria técnica.

O que isso tem de importância?

A falta de tal entendimento cria um vácuo diretamente prejudicial ao trabalhador, pois não se mensura a responsabilidade do Médico do Trabalho para com o Trabalhador, ou deste Médico do Trabalho com a Empresa e da Empresa nas suas responsabilidades de saúde e segurança, como ato médico realizado, com o Trabalhador. Muitos destes casos acabam num limbo previdenciário socialmente injusto.

Neste sentido o CREMESP já se manifestou, friso que há muito tempo, na Resolução CREMESP 76/1.996, que aqui repito pela sua inegável importância social para ser aplicada, ressaltando que tal especificação não exclui as empresas e instituições públicas como Prefeitura, Estado e União: “Artigo 7º - Caberá aos médicos do trabalho (como tal reconhecidos por Lei), especialmente aqueles que atuem na empresa como contratados, assessores ou consultores em saúde do trabalhador: a - A co-responsabilidade com os outros médicos que atuem na empresa e que estejam sob sua supervisão, por todos os procedimentos que envolvam a saúde do trabalhador, especialmente com relação à ação coletiva de promoção e proteção à sua saúde. b - A responsabilidade solidária com o empregador, no caso de agravos à saúde desses trabalhadores”.

Ao bem da saúde do trabalhador, entendo que cabe uma profunda reflexão neste sentido.

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