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Artigo - Rubens Cenci Motta

Fator Humano

Alguma dificuldade reside na indicação por parte de alguns peritos médicos nos seus Laudos Técnicos, quando constatam com base na técnica de Saúde Ocupacional, que o evento acidentário se deu por ação deliberada e dependente de decisão pessoal humana.

Em algumas oportunidades chegam a concluir em seu parecer que o evento se deu por “Ato Inseguro” sugerindo julgamento do fato, porém, aos olhos do direito, nem todo “Ato Inseguro” supera uma “Situação ou Condição Insegura”. Ou seja, mesmo que houvesse decisão unilateral e deliberada de um agente pessoal – Fator Humano – pode-se concluir que havia a possibilidade efetiva de previsibilidade e da possibilidade de adoção de medidas para que o evento não ocorresse, apesar do descumprimento de orientações e por decisão pessoal do agente.

Vejamos alguns aspectos apresentados num recurso processual:

“Incontroverso nos autos o acidente de trabalho. No desempenho de sua função de operador de moinho, o reclamante enfiou a mão em uma das máquinas porque estava travada, mas ainda não totalmente desligada.

Em face do acidente, ocorreu amputação de falange distal do segundo, terceiro e quarto dedo da mão direita de trabalhador destro, com perda de mais ou menos 30% da capacidade laborativa, conforme conclusão pericial (fl. 211). Ou seja, a lesão moral ficou amplamente comprovada.

Somente após o infortúnio a empresa colocou dispositivo de segurança no equipamento, devendo, portanto, suportar as consequências de sua omissão.

Por outro lado, ficou comprovada também a culpa concorrente. Ao depor, o reclamante confirmou que tinha sido treinado a não colocar a mão no equipamento ligado, mas descuidou-se. Entretanto, somente se a empresa comprovasse que o reclamante agiu dolosamente, com intenção de ter seus dedos mutilados para pleitear indenização, é que a eximiria de qualquer obrigação, mas não é o caso. Trata-se de acidente típico de trabalho.

Nesse sentido, considerando a culpa concorrente, entendo que o valor de R$40 mil arbitrado à indenização por danos morais é condizente com a lesão sofrida”. (meus grifos)

Processo 0176100-54.2008.5.15.0010 - Edmundo Fraga Lopes - Desembargador Relator

Diante deste entendimento ficou claro que houve ocorrência do Fator Humano. Entretanto, também ficou evidente que houve ação culposa por imprudência da empresa posteriormente sanada, o que permitiu não incidir sobre o agente ação exclusiva, mas sim concorrente.

Portanto, a conclusão do Laudo Pericial indicando Fator Humano gera a adequada possibilidade do magistrado por em prática sua ampla liberdade para, por meio da persuasão racional, incluir ou excluir a possibilidade da existência de ação culposa sem nenhum conflito com o elemento técnico indicado, o que poderia não ser bem entendido quando aplicada a conclusão como “Ato Inseguro”.

Façamos uma reflexão:

“Motorista trafegando em uma estrada de pista simples à direita e à noite, num trecho onde as faixas centrais indicavam “faixa contínua” que impedem a ultrapassagem, porém, em uma curva, invade a pista contrária e ocorre um choque frontal com veículo que vinha à esquerda”.

Algumas possibilidades:

1) Motorista que vinha à esquerda estava e manteve o “Farol Alto” impedindo melhor visibilidade do da direita. Perguntamos: para o perito, a invasão da pista da esquerda - descumpriu norma e alerta - se deu por “Fator Humano” ou “Ato Inseguro”?
2) Motorista que vinha à esquerda estava e manteve o “Farol Alto” impedindo melhor visibilidade, porém, o da direita que invadiu a pista da esquerda, estava em alta velocidade? Perguntamos: para o perito, a invasão da pista da esquerda - descumpriu norma e alerta - se deu por “Fator Humano” ou “Ato Inseguro”?
3) Motorista que vinha à esquerda estava e manteve o “Farol Baixo”, porém, o da direita que invadiu a pista da esquerda estava em velocidade correta, mas derrapou no óleo que estava derramado na pista? Perguntamos: para o perito, a invasão da pista da esquerda - descumpriu norma e alerta - se deu por “Fator Humano” ou “Ato Inseguro”?

Em todas as possibilidades apresentadas, entendemos que se o perito indicar que houve Fator Humano ofertará à autoridade e/ou ao magistrado ampla possibilidade para o exercício da persuasão racional, permitindo análise de tudo o que está envolvido no fato ligando-os aos aspectos do direito, sem gerar qualquer conflito com a conclusão técnica. Afinal, não cabe ao perito a imputação de culpa ou dolo, mas a simples indicação de elementos técnicos em auxilio a autoridade na sua decisão.

Retornando a análise do processo citado, aos olhos de alguns técnicos em Saúde Ocupacional, poderíamos entender que, embora houvesse medida adicional de segurança, já seriam suficientes para o padrão do homem médio a experiência, o treinamento e a orientação dada ao trabalhador, tendo ele descumprido normas de segurança de forma deliberada e unilateral, arriscando-se sem necessidade. Todavia, a leitura do operador do direito não indicou este caminho. No caso, se o laudo técnico indicava Ato Inseguro, estaria a sugerir a existência de conflito entre a conclusão técnica e a dada em sentença. Se o laudo indicou Fator Humano, nada sugeriu a influenciar conflito com a sentença, pois embora tenha sido executada ação pessoal, houve outro elemento ponderado pelo juízo a lhe permitir esta ação.

Assim, é sempre bom lembrar: perito médico não julga e nem sentencia.

Somente auxilia o juiz!

Cabe bem o que disse Oliveira3 na apreciação do caso concreto, pois o julgador seguiu a Doutrina que definem as circunstâncias que excluem o nexo causal do acidente de trabalho, quais sejam, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior e fato de terceiro: “São fatores que rompem o liame causal e, portanto, o dever de indenizar porquanto não há constatação de que o empregador ou a prestação do serviço tenham sido os causadores do infortúnio.”

Interessa ao presente estudo a primeira circunstância acima mencionada, a culpa exclusiva da vítima, ou “fato da vítima” ou a terminologia mais técnica e isenta dita como Fator Humano.

Quando levadas à apreciação do Poder Judiciário, as questões envolvendo acidente de trabalho geralmente não prescindem da prova pericial, embora a ela o julgador não esteja adstrito, segundo norma contida no art. 436, do Código de Processo Civil. Isto porque não cabe ao perito, a despeito de seus conhecimentos técnicos especializados, substituir o juiz, como órgão do Estado, investido de Jurisdição. Ocorrendo culpa concorrente da vítima e do empregador, permanece o dever de reparar o dano, porém, a indenização poderá ser reduzida proporcionalmente, com base no art. 945, do Código Civil.

Incumbe ao perito trazer para os autos do processo elementos técnicos de convicção que, juntamente com outros fatores e circunstâncias da causa, permitam ao julgador formar seu convencimento acerca do caso concreto.

Segundo GRECO4 ao determinar a perícia, todavia, o juiz não abdica nem delega seu poder de decidir, podendo criticar, comentar e apreciar o laudo pericial, acolhendo-o, ou não, segundo o próprio conhecimento e as regras lógicas e técnicas.

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